Amo toda a literatura que tira nosso chão, que desfaz o tecido da realidade e deixa quem a lê com cara de “ué? o que tá acontecendo aqui?”. E o Phillip K. Dick faz isso tão brilhante e sutilmente em suas obras que, às vezes, nós nem percebemos que entramos numa seara irreal e insólita. O autor inverte a ordem vigente e propõe que o leitor embarque em sua jornada rumo à descoberta de alguma verdade, de algum sentido para a vida. E no meio disso, uma crítica aos vícios e costumes da humanidade.
Em O homem do castelo alto, PKD extrapola a superficialidade do “american way of life” e a transfere para os japoneses. Todos os comentários racistas e preconceituosos são direcionados aos brancos americanos, considerados inferiores. Há uma reflexão sobre arte e a perda da aura quando ela passa a ser produzida em massa com propósitos lucrativos, apenas. Automaticamente, ela perde valor e autenticidade e se torna mais um
objeto precificado, sem relevância.
A vida é curta, pensou. A arte, ou algo que não a vida, é longa, estendendo-se ao infinito (…)
Além disso, todas as ações da política americana são agora executadas pelos japoneses e alemães nazistas, o Eixo vencedor da guerra. A partir daí podemos perguntar: tudo que os Aliados fizeram e fazem é válido só por que se trata do lado “vencedor”? Sem entrar no mérito do Holocausto, pois não há como questionar o horror desse fato. Mas e a escravização dos negros e outros povos de etnia não-branca? A escravização não surge de um pensamento de superioridade? Da ideia de que o outro é inferior?
– Escutem – disse Juliana -, é… fácil conseguir um bom emprego lá?
O mais moço respondeu: – Claro. Se você tiver a cor de pele certa.
Nem morta eu vou responder a essas perguntas. Deixo pra você, amigo leitor, o desafio de refletir sobre essas questões e perceber como a realidade se molda de acordo com quem conta a história.
E, se você gosta de desgraçamento mental literário, leia Phillip K. Dick.